Este projeto é decorrente da dissertação de mestrado intitulada "Levantamento da Fauna de Trichoptera (Insecta) da Serra do Cipó, Minas Gerais, Brasil", desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Zoologia, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Antes de falarmos sobre o nosso projeto, leia abaixo os textos sobre os tricópteros e sobre a Serra do Cipó. Assim, você entenderá melhor os nossos objetivos!
Sobre os tricópteros
O objetivo do projeto
Sobre os tricópteros
Os tricópteros, também chamados de frigânios, são insetos "parentes" das borboletas e mariposas, em que as larvas vivem debaixo d'água, nos córregos, rios, igarapés, cachoeiras e outros ambientes aquáticos. Já os adultos vivem voando próximo desses corpos d'água. Por conta disso, eles são considerados um grupo de insetos aquáticos. O significado do nome da ordem Trichoptera (lê-se /triKóptera/) vem do grego: triKos = pelo, cerda; pteron = asa; em referência às asas que são cobertas de cerdas, como mostrado na imagem abaixo.
-
ADULTOS: Os frigânios adultos podem ser avistados em áreas preservadas, voando sobre os rios, ou pousados nas plantas que ficam nas margens. Eles podem se parecer com as mariposas, mas algumas características podem nos ajudar a diferenciar um do outro:
Ordem Lepidoptera
(mariposas, borboletas)
- Antenas de vários formatos, como filoforme, pectinada, capitada e clavada
- Aparelho bucal desenvolvido, chamado de espirotromba
- Asas recobertas por escamas e cerdas
Ordem Trichoptera
(tricópteros, frigânios)
- Antenas sempre filiformes, algumas vezes muito maior que o corpo
- Aparelho bucal atrofiado
- Asas recobertas apenas por cerdas
-
LARVAS: Assim como as lagartas, as larvas dos tricópteros têm glândulas de seda perto da boca, e elas a utilizam para fabricar a própria casinha onde vão morar. Essa seda é como se fosse uma fita adesiva super resistente e que ainda funciona debaixo da água, e as larvas podem utilizar apenas essa seda na fabricação do casulo, ou também podem incorporar diversos tipos de materiais, como grãos de areia, pedrinhas e até mesmo conchas de moluscos. Elas também podem utilizar pedaços de folhas e galhos, e no processo de cortar esses materiais, o restinho que sobra acaba sendo carregado pelo rio e fica disponível para diversos outros organismos utilizarem. Dessa forma, as larvas tornam todo um ecossistema viável e produtivo.
É interessante que em algumas regiões, as pessoas chamam as larvas de “João-pedreiro”, justamente por conta dessa habilidade de utilizar perdinhas na construção do abrigo. As casas construídas pelas larvas eram chamadas de “grumixás” ou “curubixás” pelos índios, e na língua Tupi, essas palavras significam "lugar onde vive o menino", indicando o conhecimento dos índios sobre o fato de a larva ser a forma jovem de um inseto e que ela constrói e vive dentro das casinhas na água. O nome "castelinho" também é usado em referência à casinha que algumas larvas constroem.
Além disso, as larvas dos tricópteros são muito sensíveis a qualquer alteração nas características do ambiente aquático em que vivem. Então se houver despejo de esgoto, produtos químicos ou qualquer outra substância, as larvas logo irão morrer e desaparecer. Por conta disso, elas são muito utilizadas como indicadoras da qualidade da água dos rios.
Veja abaixo as diferenças e semelhanças entre as larvas dos lepidópteros e tricópteros:
Ordem Lepidoptera
(lagartas, mandarovás)
- Terrestres
- Apresentam glândulas de seda próximo da boca
- Respiram o oxigênio do ar atmosférico através dos espiráculos
- Geralmente são coloridas e com muitas falsas pernas no abdômen
Ordem Trichoptera
(joão-pedreiro, grumixá, curubixá, castelinho)
- Aquáticas
- Apresentam glândulas de seda próximo da boca
- Respiram o oxigênio que está dissolvido na água através das brânquias
- Geralmente variam entre tons de marrom e verde, e podem apresentar apenas uma falsa perna no fim do corpo
- Podem construir abrigos e casinhas com diversos materiais, como pedras, areia, folhas, galhos e conchas de moluscos.
Sobre a Serra do Cipó
A Serra do Cipó fica situada em Minas Gerais, 100 km ao norte de Belo Horizonte. Essa região compreende uma área de aproximadamente 250 mil hectares, o que equivale a 250 mil campos de futebol como os dos estádios do Maracanã ou do Mineirão. Dentro dos limites da Serra do Cipó existem 18 Unidades de Conservação (UC’s), mas para este estudo, o foco será em cinco delas:
- Parque Nacional da Serra do Cipó;
- Área de Proteção Ambiental Federal do Morro da Pedreira;
- Parque Estadual Mata do Limoeiro;
- Área de Proteção Ambiental Municipal Santo Antônio;
- Área de Proteção Ambiental Municipal do Rio Picão.
Juntas, essas UC's somam cerca de 230 mil hectares.
A Serra do Cipó apresenta uma série de características que são extremamente importantes do ponto de vista ambiental e que foram essenciais na escolha dessa área como o foco do nosso estudo:
- Ela atua como uma área limítrofe entre duas importantes bacias hidrográficas brasileiras, a do Rio São Francisco, e a do Rio Doce.
- Está na transição entre dois dos biomas mais ameaçados no Brasil, e que estão entre os maiores hotspots de biodiversidade do mundo: o Cerrado e a Mata Atlântica.
- Está situada na porção sul da Serra do Espinhaço, que detém o título de Reserva da Biosfera, concedido pela UNESCO, devido à grande riqueza mineral, floral e faunística.
- É uma das "Áreas Prioritárias para Conservação da Biodiversidade Brasileira", apresentando importância biológica e prioridades de ação “extremamente altas”.
O objetivo do projeto
Depois de ler um pouco sobre a Serra do Cipó, você deve estar imaginando que um lugar como esse deve ter uma diversidade incomparável, não é!?
De fato a Serra do Cipó é muito rica em numero de espécies para as plantas e alguns grupos de animais. Só que para os tricópteros não é bem assim...
Atualmente existem apenas 51 espécies registradas para a região, e esse número é bem baixo se comparado a outras áreas de igual relevância ambiental no estado de Minas Gerais. A região do Maciço do Itatiaia apresenta 71 espécies e o PARNA da Serra da Canastra, 104. Isso nos mostra que a Serra do Cipó apresenta uma diversidade muito aquém da realidade.
Além da ausência de estudos deste tipo na região, vários outros fatores contribuíram para a realização deste projeto:
- Apenas metade das espécies brasileiras de tricópteros são conhecidas¹.
- A fauna mundial de insetos está em declínio, e cerca de 68% das espécies de tricópteros estão ameaçadas².
- Os principais fatores que contribuem para isso são o despejo de esgoto sem tratamento nos rios, o uso de pesticidas em larga escala e a perda dos habitats para uso da terra por atividades humanas³ ⁴.
- 43% das áreas de Cerrado e 88% das áreas de Mata Atlântica foram destruídas pela expansão das cidades e pela agropecuária⁵ ⁶.
- No Brasil, mais da metade do esgoto produzido é despejado nos rios sem nenhum tratamento⁷.
- Entre 1985 e 2017, 38% do território nacional foi modificado pela agricultura, pecuária e desenvolvimento de infraestrutura, com crescimento de 46% das áreas de pasto, e 172% das áreas de agricultura⁸.
Diante deste cenário, levando em conta desastres ambientais como o rompimento de barragens de rejeitos nas cidades mineiras de Mariana (2015) e Brumadinho (2019), muitas espécies, inclusive de tricópteros, podem desparecer antes mesmo de serem descritas.
Por estes motivos escolhemos conhecer quais são as espécies de tricópteros que habitam a região.